Era uma vez no oeste – uma homenagem ao western

Desde o início da história do cinema, inovações foram sendo feitas com a melhora constante nas tecnologias utilizadas em equipamentos tanto na captação de imagens como na exibição dos filmes nas salas de cinema.

Principalmente por isso, é possível a realização de verdadeiras obras primas como o já clássico Era Uma Vez no Oeste, do italiano Sergio Leone, um dos principais realizadores do western spaguetty.

Mais que uma história sobre as relações de homens do oeste americano, é uma poética busca e, ao mesmo tempo, a espera de cada um dos quatro personagens centrais por algo que nem todos alcançarão.

É, também, um estudo sofisticadíssimo de som a serviço da história e uma reflexão saudosista representada na morte do velho oeste e das forças humanas ou naturais que morrem com ele.

Era Uma Vez no Oeste é, ainda, uma homenagem a filmes clássicos do gênero western americano, quando referencia obras seja na temática, na forma de abordagem, na utilização de atores já consagrados no universo do faroeste ou na citação direta de cenas de filmes clássicos, principalmente, de John Ford, um dos cineastas mais importantes do gênero.

Som

Nos primeiros dez minutos do filme há apenas dois diálogos: o primeiro quando o atendente da estação ferroviária tenta vender as passagens aos pistoleiros e o segundo logo após a apresentação da personagem do Gaita, quando as falas antecipam o clima de conflito eminente que permeia todo o filme.

Com exceção destas falas, toda a sonoridade da sequência é feita de sons ambientes. O ranger agonizante do moinho, os passos dos homens no chão de madeira da estação, o barulho do telégrafo, o gotejar da água no chapéu do pistoleiro que, a medida que se enche denota a passagem de tempo, o zumbido da mosca, a respiração cansada do trem, o barulho do vento.

A exploração desta sonoridade, creditada, assim como toda a trilha sonora do filme, a Ennio Marriconi, um dos colaboradores mais assíduos de Sérgio Leone e que, recentemente, também assinou a trilha do poético A lenda do pianista do mar de Giuseppe Tornatore, já é, por si só, uma realização digna de nota.

Trata-se de um curta-metragem no qual todo o enredo, a movimentação dos atores e a passagem de tempo são dados a partir do som, sem que para isso seja utilizada música.

Mais que isso, trata-se de uma sinfonia de sons aparentemente banais, utilizados de forma inteligente para significar a espera das personagens e aumentar a tensão e a expectativa do espectador.

Contudo, este não é o único momento de utilização da música como elemento principal para contar a história.

A chegada, logo em seguida, da personagem Gaita à estação e seu encontro com os pistoleiros antecipa um recurso que será utilizado quando da apresentação de cada uma das quatro personagens centrais da obra.

Antes dos atores entrarem em cena, a música tema, que já traz em sua composição significantes que contam características, inclusive, psicológicas das personagens, antecipa esta ação.

O som da gaita-de-boca logo após a passagem do trem, que funciona como uma cortina que se abre e coloca a personagem em cena ou a música tema de Shayenne pouco antes deste entrar no bar após o tiroteio.

Em cada um destes momentos é o som que chega primeiro e diz quem será o protagonista daquela ação.

Além de apresentar as personagens, há casos em que a música antecipa o próprio desenrolar da cena, como no momento em que Gaita “vende” Chayenne para que Jill não perca o rancho Água Doce.

Neste momento, a câmera mostra a escada por onde a personagem irá descer e a musica antecipa que as botas que o espectador vê, pertencem a Shayenne.

Referências

Outro aspecto importante do filme é a referência a outras obras igualmente importantes do gênero western.

Isso acontece nas tomadas grandiosas do Monument Valley que lembram os grandes planos gerais de filmes como No tempo das Diligências, Rastros de Ódio e O Homem que matou o facínora.

Além disso, Leone utiliza atores consagrados do gênero como Henry Fonda, por exemplo, que tem no Era uma vez no oeste seu primeiro papel de vilão, já que era conhecido como o mocinho de várias obras anteriores e um dos bandidos da estação ferroviária que representou o mordomo de O homem que matou o facínora.

As referências também acontecem na recriação de cenas. Um dos exemplos é a cena em que a família se prepara para a refeição pouco antes da apresentação do personagem de Frank e o barulho do vento e das cigarras constrói a tensão pela ameaça de perigo eminente.

Em Rastros de ódio, a família também está reunida na ausência dos homens do povoado e o som introduz a ameaça que o ataque indígena representa.

A diferença é que neste o perigo é causado pelos “peles-vermelhas”, enquanto aquele traz os bandidos como responsáveis pelo massacre.

Outra diferença é que em Era uma Vez no Oeste a maldade do vilão não permite que o menino fragilizado sobreviva enquanto que em Rastros de Ódio o fato de a menina continuar viva é o elemento motor de toda a ação.

Leone relembra, ainda cenas de seus próprios filmes como no caso em que o Gaita troca Shayenne por cinco mil dólares.

Em Três Homens em Conflito, o terceiro filme da Trilogia dos Dólares, anterior a Era uma vez no Oeste, a personagem do Bom entrega o Feio à policia, para depois o resgatar e dividirem a recompensa.

Contudo, em Era uma vez no oeste não fica claro se havia uma combinação previa entre as duas personagens, apesar de que o fato de Shayenne ter morrido em decorrência de ter sido atingido por um tiro quando fugia da prisão, demonstra que Gaita não estava lá para ajudá-lo, apesar deste ter sido salvo por aquele em um momento anterior do filme quando Gaita fora preso no trem por Frank.

Além disso, o duelo final lembra, em muitos aspectos, o duelo de Três Homens em conflito.

Argumento

Muitas outras referências são feitas e muitos outros elementos desta obra poderiam ser citados como o fato de todos as personagens estarem esperando por alguma coisa ou sendo esperados por alguém ou o fato de, exceto Jill, todas as outras três personagens centrais estarem morrendo.

Pode-se citar ainda o conflito eminente entre o velho e o novo: o velho oeste representado pelos ranchos e pelas personagens, que podem ser definidas como forças da natureza, e o novo trazido pela ferrovia.

Às personagens, não resta mais além de morrerem ou irem embora, já não há espaço para elas nesta nova forma de vida civilizada que gira em torno da água e da estrada de ferro.

A única que fica é Jill por representar exatamente este novo que chega, mas parece ter feito parte daquele universo desde sempre.

Por Vanda Moraes

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